PiraporinhaFilmes

21 de julho de 2010

O Lutador


Por Valter Piraporinha

Dramáticas histórias de superação sempre tiveram enorme aceitação ante os membros da academia. O que se dirá daquelas protagonizadas por lutadores. O fato é que, a despeito da temática pouco original e de personagens a principio convencionais, o diretor Danny Aronofsky consegue, em sua mais recente produção, O Lutador, um drama conciso, que, entre outros inúmeros entendimentos, discorre temas como a solidão e o destino.

No longa, Mickey Rourke interpreta Randy Robinson, um profissional do wrestling cujo auge da carreira se deu nos áureos anos 80. Vinte anos após a luta que o transformou em ídolo, “The Ram” (como ficou conhecido nos ringues), agora um solitário cinquentão de aparência bizarra, se divide em lutas amadoras conseguidas através do pouco reconhecimento que ainda lhe resta e durante a semana, trabalhos eventuais.
Eis que ao final de uma dessas lutas, talvez a mais sangrenta delas (com direito a arame farpado e um grampeador automático) Randy acaba por sofrer um ataque cardíaco e naturalmente, recebe a triste notícia de que não poderá voltar a lutar. Assim sendo, Randy decide que é chegado o momento de fazer alguns acertos em sua vida: decide reconquistar a filha (Ewan Rachel Wood) e se desculpar pela sua omissão como pai, além de investir em sua relação com a stripper Cassidy (Marisa Tomei, indicada ao Oscar) e arrumar um emprego, digamos, mais convencional – atendente da sessão de frios de um supermercado. O que Randy conclui entretanto, é que a vida fora dos ringues é a que mais lhe machuca. Rourke desponta como favorito ao Oscar, auxiliado por uma caracterização irretocável e uma atuação bastante objetiva. A humanização de seu personagem se traduz em empatia para com o público – no que talvez possa ser comparado ao Rocky, de Stallone. Embora não reclame de sua sorte, cada cena emana algo da fustração de Randy. Não há o que e fazer ante o que somos ou nos tornamos. Como ele se auto define – e muito se falou das semelhanças de sua história e a do próprio Rourke, que ressurge nessa interpretação – Randy Robinson é um velho e maltratado pedaço de carne.

Em tratando-se do diretor Darren Aronofsky, O Lutador é um filme bastante particular. Ao contrário de produções como Pi, Réquiem Para Um Sonho e Fonte da Vida, o roteiro de O Lutador não sugere maiores pretensões, pelo contrário: é bastante simples e objetivo. O mesmo pode-se dizer da edição, que flui maravilhosamente. Diferentemente de Fonte da Vida por exemplo, seu último trabalho, em que as reviravoltas temporais configuram um verdadeiro martírio aos mais desatentos. Aliás desse último, o que permanece é o compositor Clint Manssel. A seleção musical é um outro ponto forte do filme, com clássicos inspirados dos anos 80.

Um filme para agradar ao mais inveterado fã de Touro Indomável ou àquele que procura simplesmente a razão do alarde em torno de Rourke. Boa pedida em qualquer hipótese.






Mas há de se lembrar que se não fosse pela escolha de Mickey Rourke como o ator principal, não acredito que o filme seria tão grandioso, a ponto de conquistar publico e critica por onde passou, levando prêmios importantes no circuito de cinema mundial. Há de se lembrar que isto seja uma retomada na sua carreira, e que mais e mais vezes ele se entregue ao papel desse jeito; é uma honra assistir filmes assim.

No bacana “Rocky Balboa” (2006), Stallone entregou ao público uma história sobre um homem que havia sido um grande campeão de boxe e precisava enfrentar a chegada da velhice, a vontade em voltar aos ringues – colocando em risco sua saúde – e a tentativa de reaproximação com o filho. Tudo embalado num clima de esperança, e ao final da projeção a platéia deixava o cinema com a sensação de que o protagonista havia alcançado a superação, e encontrado sua paz.

Estréia nos cinemas brasileiros outra produção que retrata um veterano dos ringues, que tenta se reaproximar da filha, e após sofrer um infarto causado pelos excessos ao longo da carreira, decide enfrentar um último desafio. “O Lutador”, adaptado do livro que Robert Siegel escreveu sobre Randy “The Ram
Robinson, astro ficcional da luta livre nos anos 80, lembra até certo ponto o último filme sobre o garanhão italiano. Mas o longa do talentoso diretor Darren Aronofsky (“Réquiem para um Sonho” e “Fonte da Vida”) transcende a história sobre superação. A dramaticidade e a autocomiseração do personagem principal são elevadas à enésima potência em trama melancólica e extremamente real.
Vinte anos após seu auge, The Ram (Mickey Rourke, de “9 e ½ Semanas de Amor”) segue fazendo a única coisa que sabe: lutar. Mas os tempos mudaram, ele envelheceu, os fãs são poucos e o dinheiro menor ainda. Mesmo assim ele segue se apresentando. Até o infarto.
Forçado pelos médicos a interromper a longa carreira, Ram começa a trabalhar no balcão de frios de um supermercado. Enquanto isso, tenta refazer o contato com a filha (a linda e aqui morena Evan Rachel Wood, de “Across The Universe”, que estaria saindo com Rourke na vida real) e procura algum alento romântico em uma stripper (Marisa Tomei, ousada como jamais havia sido). Só que tentação pouca é bobagem. E eis que surge, então, a proposta para uma revanche com o seu maior rival, o Aiatolá (Ernest Miller). Difícil resistir…

Mas diferente de “Rocky”, Randy não tem qualquer interesse em superar-se. Tentar não repetir os erros do passado já seria uma vitória.

Curioso que essa motivação do personagem se assemelha às experiências pessoais de seu intérprete. Mickey Rourke, também um astro oitentista, que desapareceu do cinema durante anos, tentou carreira profissional do boxe, chegou a ser relegado a pontas ou projetos medíocres, se envolveu com drogas, ficou com o rosto deformado e quase se perdeu tentou resgatar um pouco da dignidade em filmes recentes. Uma oportunidade de retorno surgiu em “Chamas da Vingança”. Outra em “Sin City”. Mas não decolou. E sua redenção acontece aqui, em uma atuação que sensibiliza o espectador.

O lutador/ator se entregou de corpo e alma ao filme. E a entrega merece mais destaque, se verificarmos que Ram tem problemas com drogas, fato remete à vida real do ator. Corajoso, não teve receio de se expor e o esforço não foi em vão, rendendo ao artista os prêmios de Melhor Ator no Globo de Ouro, no BAFTA e sua primeira indicação ao Oscar (o prêmio acabou nas mãos de Sean Penn, por “Milk“).






Diferente do Jake LaMotta que Robert de Niro viveu no clássico “Touro Indomável”, cuja paranóia contribuiu para sua derrocada pessoal, Randy não age por maldade, tenta se acertar na vida, mas acaba cometendo erros que nem ele mesmo saber porque cometeu. É a velha história: errar é humano. E é essa fragilidade inerente a todos nós que o aproxima do público.

Já as atrizes que dividem a tela com Rourke não fazem por menos. Marisa Tomei, vencedora do Oscar de Atriz Coadjuvante por “Meu Primo Vinny”, foi novamente indicada pela Academia por encarnar com ousadia o papel de stripper. E Evam Rachel Wood se sai bem como a filha esquecida que tenta dar uma segunda chance ao pai.

Somadas à qualidade do elenco, estão a ambientação da época irrepreensível, a verossimilhança como as lutas são mostradas e a excelente trilha sonora, que mistura clássicos do heavy rock com as músicas incidentais tocadas por Slash (ex-Guns) e compostas por Clint Mansell – que devem fazer a alegria de muito marmanjo que foi adolescente naquele período.

Todos esses ingredientes fazem de “O Lutador” um dos grandes filmes do ano, e o projeto que fez o ser humano Mickey Rourke voltar à vida – ao menos, a cinematográfica.

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